terça-feira, 1 de novembro de 2011

Criança estuda, mas não vota

Henrique França
@RiqueFranca
www.riquefra.wordpress.com

Há tempos o sistema educacional brasileiro tem se pautado na política do construir muros de conhecimento sobre solo instável, pobre e sem condições de sustentar suas bases. O País vem comemorando avanços em pesquisa básica e aplicada, nas certificações de suas instituições de nível superior e com isso disfarça mal as deficiências no setor da Educação. Enquanto o “superior” traja smoking e chinelas, o Ensino Básico nacional é tratado como um mendigo incômodo e feio: melhor ignorá-lo ou oferecer uma moedinha que o faça guardar a mão estendida.
A pergunta é: sendo fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, por que a educação no Brasil é tão mal dividida em termos de recursos, atenção e resultados? Uma das respostas básicas está no foco político: alunos dos níveis “inferiores” não votam, não têm poder direto de mudança, por isso são meramente coadjuvantes no esquema ‘menina dos olhos’ da gestão pública tupiniquim. Por outro lado, universitários, providos de um suposto senso crítico, democrático, político e social mereceriam, esses sim, esforços governamentais. Lego engano.

O tiro no pé apressa-se em chegar. Nas avaliações o desempenho é cada vez mais pífio. Nos exames específicos – vale lembrar as provas da OAB aos bacharéis em Direito -, a peneira incomoda e envergonha. Se já existe uma pirâmide invertida no esquema Ensino Básico–Ensino Superior, o que acontece dentro das universidades e depois delas resume-se a um conta-gotas vergonhoso. Falta senso crítico (não confundir com gritaria anti-alguma-coisa), falta leitura, visão aguçada de mundo, de entendimento social, de respeito, de produção textual. Falta base – a mesma que dá nome ao segmento mais marginalizado da Educação do País.

O caso do anúncio de fechamento de quatro turmas pela creche-escola da Universidade Federal da Paraíba é um exemplo desse descompasso. Fundada há duas décadas e atendendo a crianças da comunidade intra e extramuros da UFPB, a unidade anunciou que vai dispensar 60 alunos por falta de professores necessários para atender os pequenos, em 2012. A creche, que já chegou a ser considerada referência na educação básica, hoje encontra-se escondida por trás de prédios recém-construídos para os “superiores” via Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Virou casinha retrógrada em meio aos novos edifícios da modernidade acadêmico-científica exaltada Brasil afora.

O mais absurdo é que, apesar dos recursos na ordem de R$ 35 milhões para construir 42 mil metros quadrados e da contratação de 80% novos professores prevista para 2012, tudo via REUNI, a UFPB parece não ter dado a mínima atenção a seus pequenos personagens – futuros “superiores”, pesquisadores, professores e, por que não, reitores. Há um olhar imediatista nisso que não combina com a visão ampliada que o universo acadêmico deveria proporcionar e incentivar.

Em perspectiva, um processo de mudança foi iniciado com a aprovação de um projeto, pela Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, que pretende tirar do Ministério da Educação a responsabilidade pelo Ensino Superior. A proposta do senador Cristovam Buarque se justifica em números – tão queridinhos da Educação: atualmente, nada menos que 70% de todo investimento no setor vai para o ponto mais estreito e elitizado da pirâmide, o dos “superiores”. Assim, acredita o ex-ministro, com um Ministério focado na educação de base poderíamos ter melhoras no segmento.

Enquanto isso não acontece, e voltando ao caso da UFPB, até agora a decisão de fechar quatro turmas e dispensar 60 crianças está mantida. Se há perspectiva de mudança no caso? Quem sabe. Talvez o assunto volte a ocupar os palanques no novo processo eleitoral que se inicia em torno da reitoria na UFPB. Porque criança não vota, mas sempre fica bem na foto dos candidatos.

[Texto publicado no Jornal A União, edição de 29 de outubro de 2011]

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