Pioneira na elaboração e divulgação de 101 emendas ao PL 8035/2010, em fevereiro de 2011, a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação[1] ansiava pela apresentação do relatório substitutivo do deputado Angelo Vanhoni (PT-PR) ao Projeto de Lei 8035/2010, que trata do segundo Plano Nacional de Educação (PNE) pós-redemocratização do Brasil. O objetivo deste texto é apresentar, em cinco tópicos, uma breve análise dos principais temas presentes na proposta de PNE elaborada pelo relator. Em breve, a Campanha divulgará uma análise mais detalhada do texto e apresentará um conjunto de emendas prioritárias dedicadas a fortalecer e viabilizar o novo plano.
1. O principal avanço é a incorporação do CAQi, com transição para o CAQ
Em uma primeira leitura, alguns avanços foram verificados no texto substitutivo. Absorvendo proposta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, entre as estratégias da meta de financiamento educacional (Meta 20), o relatório do deputado Angelo Vanhoni propôs que o PNE determine a implementação do mecanismo do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). Elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o indicador foi incorporado pelo CNE (Conselho Nacional de Educação) em maio do ano passado, por meio do Parecer no. 8/ 2010. A partir de insumos como remuneração condigna dos profissionais da educação, formação continuada dos educadores, número adequado de alunos por turma, equipamentos e materiais didáticos, transporte e alimentação escolar, entre outros, o CAQi aponta quanto deve ser investido por aluno ao ano de cada etapa da educação básica, com o objetivo de universalizar um padrão mínimo de qualidade para todas e todos os estudantes brasileiros.
Complementarmente, o relatório de Vanhoni determina um caminho progressivo para a futura implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), em até 10 anos. O texto, portanto, constrói uma transição entre o CAQi e o CAQ, buscando fazer com o que o Brasil alcance primeiro (e com urgência!) um padrão mínimo de qualidade educacional e depois se aproxime, gradativamente, do padrão de investimento dos países mais desenvolvidos em termos de qualidade da educação. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação participou intensamente da construção dessas propostas, tanto junto ao próprio Angelo Vanhoni e seus assessores, como em diálogo com diversos parlamentares da Comissão Especial.
2. O controle social do PNE foi reforçado
Além de incorporar o mecanismo do CAQi em transição para o CAQ, Vanhoni absorveu algumas emendas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação relativas ao controle social do novo plano.
Em primeiro lugar, para boa parte das metas, foram estabelecidas submetas ou metas intermediárias. Depois, foi determinada a inclusão das informações advindas das pesquisas e censos demográficos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no escopo dos dados a serem utilizados para o monitoramento do novo plano. Por último e complementarmente, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) ficará obrigado a produzir análises bienais para subsidiar a avaliação do novo PNE, que vigorará pelos dez anos imediatamente seguintes à sua aprovação.
Nenhuma dessas medidas constava do projeto original encaminhado pelo Ministério da Educação (MEC) ao Congresso Nacional, em 15 de dezembro de 2010. Desse modo, o relatório de Angelo Vanhoni, ao incorporar algumas emendas ao corpo da lei do PNE, acaba expressando um caráter democratizante ao texto, pois confere maior importância a ferramentas relevantes de controle social. Não obstante, é importante ressaltar que ainda são necessários outros mecanismos de controle social não incorporados ao texto.
3. Proposta do relator não determina responsabilidades federativas
Em que pese alguns avanços, há necessidade de mudanças essenciais no texto proposto por Angelo Vanhoni, que em diversos aspectos é caracterizado pela timidez. A falha mais grave se dá na indeterminação de responsabilidades financeiras entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. Em termos práticos, isso inviabiliza a expansão de matrículas com base em padrões de qualidade (mínimos ou próximos dos parâmetros internacionais – via o CAQi e o CAQ) e coloca em risco a valorização dos profissionais da educação. Sem equacionar esse problema, o PNE não estará à altura dos desafios da educação brasileira.
Infelizmente, os dilemas federativos brasileiros nem são tangenciados no substitutivo de Angelo Vanhoni. Segundo qualquer avaliação orçamentária séria, além das próprias deliberações da Conae (Conferência Nacional de Educação), deve caber à União a liderança no esforço financeiro capaz de viabilizar um “PNE pra Valer!”. Isso porque, segundo relatório do Cdes (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República), a União retém 53% da receita líquida de tributos, ou seja, sozinha ela tem poder orçamentário maior do que a soma dos 26 estados, do Distrito Federal e dos mais de 5560 municípios. No entanto, mesmo diante de sua impressionante capacidade arrecadatória, o Governo Federal investe em educação o equivalente a 0,98% do PIB ao ano, patamar insuficiente, frustrante e irrisório.
4. Problemas de concepção em algumas metas do PNE
Entre as metas que necessitam de revisão imediata, devido a problemas de concepção na oferta do atendimento educacional, estão aquelas relacionadas à educação infantil (Meta 1) e à educação especial (Meta 4). A primeira estimula a expansão de matrículas em creches conveniadas e comunitárias; a segunda cria tensão com a perspectiva da educação inclusiva, alçada à condição de Emenda à Constituição pelo fato de o Brasil ser signatário da Convenção de Salamanca/ONU (Organização das Nações Unidas, 1994), após deliberação do Congresso Nacional. Ambas precisam ser reavaliadas pelo relator Angelo Vanhoni.
Em termos de problemas de concepção pedagógica, as estratégias 2.7 e 3.10 determinam a criação de expectativas de aprendizagem para o ensino fundamental e médio. Já a estratégia 7.1 estabelece erroneamente uma submeta de expectativas de aprendizagem, inclusive com submeta intermediária – estratégias não podem ser meta; o PL 8035/2010 já fazia esse tipo de confusão, que permanece na proposta do relator. O tema das expectativas de aprendizagem é polêmico, gerando forte discordância junto aos pesquisadores dedicados ao debate curricular. Em suma, há pensamentos diferentes sobre o tema, que para ser incorporado no PNE precisaria vir acompanhado, ao menos, de uma definição sobre seu significado.
Na Meta 5 já havia consenso em torno da alfabetização das crianças aos 8 anos de idade, conforme proposto historicamente pela sociedade civil, gestores e pelo próprio MEC no texto original do PL 8035/2010. Contudo o relator propôs uma nova redação prejudicial ao plano, que pode significar a alfabetização precoce e aligeirada das crianças aos 7 anos de idade, pois determina a alfabetização de todas as crianças até o final do segundo ano do ensino fundamental.
No tocante às políticas de avaliação, embora o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação) tenha diminuído seu papel entre os artigos da futura lei do PNE, permanece como a referência da Meta 7. O Ideb não deve ser descartado, mas não possui envergadura nem estrutura técnica para servir como âncora e bússola das políticas educacionais.
5. 8% do PIB é pouco diante das necessidades e possibilidades do país
O texto de Angelo Vanhoni estabelece um investimento público equivalente a 8% do PIB em educação. Falha em não estabelecer meta intermediária, como fez acertadamente em outras metas. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação calculou e publicou em Nota Técnica, construída com base na metodologia proposta pelo MEC em sua planilha de custos do PNE, a necessidade de investimento equivalente a 10,403% do PIB em educação até 2020. Com esse patamar, o Brasil alcançaria um padrão mínimo de qualidade, ou seja, 5,403% além do que é investido hoje.
O volume de investimento em educação equivalente a 8% do PIB é baixo, inclusive porque na proposta de substitutivo há um estímulo relevante à expansão de matrículas públicas no ensino superior e na educação profissional. Se não era possível estimular mais matrículas nesses setores com 7% do PIB, com 8% do PIB fica ainda mais difícil. No entanto, anexa ao relatório foi publicada uma projeção de custos que precisa ser analisada.
Diante da resistência do Governo Federal em investir em educação qualquer centavo acima dos 7% do PIB, o patamar equivalente a 8% para os gastos educacionais representa uma resposta ainda insuficiente do relator à pressão da sociedade civil e às necessidades do Brasil. Há convicção, baseada em cálculos e projeções, de que é necessário, no mínimo, um patamar de investimento público direto em educação equivalente a 10% do PIB.
Próximos passos
Sem compreender o caráter constitucional do PNE (determinado pelo Art. 214 da Constituição Federal de 1988) e desconsiderando o fato do novo plano educacional ter a envergadura de um projeto de Estado – não de governo –, a pressão do Executivo Federal para que Angelo Vanhoni apresentasse em seu relatório uma meta de investimento público próxima de 7% do PIB demonstra o baixo grau de prioridade dada à educação.
Considerando os avanços já incorporados, mas buscando colaborar com a resolução de problemas em aberto, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação irá divulgar até o final desta semana uma análise mais detalhada do texto e um conjunto de emendas prioritárias dedicadas a fortalecer e viabilizar o novo plano. Certamente, entre essas proposições, figurará uma emenda que determine, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB de investimentos públicos em educação pública até o último ano de vigência do futuro PNE. Além disso, serão propostas estratégias que garantam obrigações financeiras da União e dos demais entes federados capazes de implementar o plano.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera que um “PNE pra Valer!” é um PNE capaz de estabelecer meios capazes de solucionar os problemas da educação pública brasileira. É essa compreensão que balizará todas as próximas ações de incidência.
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