O cenário de múltiplas modalidades de violência cometidas contra crianças e adolescentes na América Latina e algumas propostas para enfrentar essas formas de violência estiveram em debate no Colóquio Políticas de Segurança e Direitos Humanos: enfocando a primeira infância, infância e adolescência, que aconteceu nos dias 13 e 14 de setembro no Centro Universitário Maria Antonia (USP) no centro da cidade de São Paulo. O Colóquio foi impulsionado por Equidade para a Infância América Latina, e organizado em conjunto com a Rede Nacional Primeira Infância, o Instituto e a Fundação Arcor, o Instituto C&A, e teve o apoio do CIESPI e da Rede ANDI.
Contando com a participação de varias organizações que trabalham pelos direitos da primeira infância, infância e adolescência e juventude, o evento foi aberto pela Diretora-executiva do Instituto Arcor, Célia Aguiar, que destacou a importância de debate do tema, inserido no propósito institucional de proporcionar oportunidades educativas para todas as crianças e adolescentes. O Diretor de Equidade para Infância América Latina, Alberto Minujín, acentuou, por sua vez, ser fundamental a construção de parcerias para que efetivamente as organizações do setor influenciem as agendas de governo e da sociedade no sentido da construção de políticas públicas que transformem a realidade de violência contra crianças e adolescentes no continente.
A primeira mesa do Colóquio, mediada pelo jornalista Gilberto Nascimento, debateu o tema Desigualdades Sociais, Contextos e Condições de Vida. Maria Thereza Marcílio, Coordenadora da Secretaria Executiva da Rede Nacional Primeira Infância e Gestora Institucional da Avante, alertou para a invisibilidade que ainda existe sobre a situação da primeira infância no Brasil. Destacou avanços como o Plano Nacional pela Primeira Infância, mas frisou que a visibilização da primeira infância depende do fortalecimento de articulações entre distintos atores, políticas e ações.
A Coordenadora do Programa Na Mão Certa, Rosana Junqueira, apresentou os dados de uma pesquisa feita junto a vítimas de violência sexual contra crianças. A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Programa Na Mão Certa, iniciativa da Childhood Brasil, e revelou, entre outros dados, que mais da metade das vitimas entrevistadas confessou que pensou na hipótese ou tentou o suicídio. A pesquisa foi clara em indicar que as crianças com vínculos escolares têm maior potencial para resistir à exploração sexual. Marcelo Princeswal, pesquisador do CIESPI, lamentou a ausência de políticas efetivas direcionadas às crianças que moram nas ruas, e sinalizou preocupações sobre as medidas de internação compulsória dos adolescentes em situação de rua. A pesquisadora da Universidade Nacional da Colômbia, Maria Cristina Torrado, discutiu a situação de crianças e adolescentes no conflito armado colombiano. Ela destacou que estes grupos sociais são particularmente vulneráveis em contextos de conflitos armados, assim como reiterou o não cumprimento naquele país dos principais protocolos internacionais que garantem a proteção dos direitos das crianças e adolescentes em situações de conflito armado. Concluindo a mesa-redonda da manhã do dia 13, Akemi Kamimura, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência (USP), ressaltou que os desafios suscitados pelas múltiplas faces da violência na América Latina exigem o fortalecimento de redes e medidas visando a difusão dos conceitos e diretrizes da Doutrina de Proteção Integral, aprovada e ratificada por vários países, mas ainda sem implementação pratica em sua total extensão.
A programação da tarde do dia 13 começou com a exposição de Raquel Willadino Braga, Coordenadora de Direitos Humanos do Observatório de Favelas, com uma fala que abarcou a realidade de vida de crianças, adolescentes e jovens moradores de algumas favelas cariocas, enfocando sua vulnerabilidade à violência letal, especialmente entre os adolescentes negros. Reiterou, a partir do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Observatório, a importância de atuar tanto junto aos adolescentes e jovens, como junto aos gestores locais para desenvolver estratégias de prevenção da violência letal que acomete a estes segmentos sociais. A exposição seguinte esteve a cargo de Márcia Ustra Soares, representante da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Esta realizou análise das principais ações desenvolvidas atualmente pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, sinalizando tanto avanços como dificuldades na coordenação e integração das políticas no âmbito federal, bem como entre as diversas áreas do governo federal e os municípios. Sua fala ressaltou a necessidade de fortalecer a ação dos conselhos tutelares, destacando estar este órgão hoje presente em 98% das cidades brasileiras, apesar de contar ainda com um enorme déficit de recursos humanos e técnicos. Em seguida, Maria Fernanda Rezende, pesquisadora da UNIRIO apresentou uma pesquisa que desenvolveu junto a três comunidades de baixa renda em três diferentes bairros, em duas cidades brasileiras. A pesquisa focou sobre a percepção dos moradores sobre as políticas públicas existentes em seus contextos locais, e, particularmente, sobre a percepção sobre a segurança/insegurança que estes políticas e equipamentos geram.
A última apresentação da tarde contou com participação, por meio de videoconferência, de Gerardo Sauri, representante da Secretaria de Direitos Humanos do Distrito Federal, que abordou a realidade das políticas para a infância no México, a partir das reformas políticas e institucionais que ocorreram nas últimas décadas naquele país. Sinalizou que as crianças e adolescentes são um dos grupos sociais que menos foram beneficiados pelas transformações institucionais e políticas e alertou sobre o envolvimento destes em distintos níveis das atividades ligadas ao narcotráfico, bem como sua particular vulnerabilidade à ação estatal de militarização e guerra contra esta atividade ilegal.
O Colóquio terminou, na manhã do dia 14 no Centro Universitário Maria Antônia (USP), com o debate de propostas para um enfrentamento mais efetivo das formas de violência contra a primeira infância, infância e adolescência na América Latina.
Os diálogos foram alimentados pelas experiências singulares compartilhadas pelos representantes das organizações participantes, que reconheceram a importância da necessidade de articular as dimensões e ações de Direitos Humanos com os distintos âmbitos das políticas de segurança. Alguns dos eixos que surgiram na discussão giraram em torno de temáticas como as múltiplas desigualdades, a repressão como prática tradicional da segurança pública e os adolescentes como suas principais vítimas. Também se comentou sobre a criminalização dos setores populares, sobre os desdobramentos dos modelos de desenvolvimento adotados pelos diferentes países no âmbito da globalização, a influência da economia ilegal na economia formal, e a sobre influência do consumo nas experiências e subjetividade de crianças e adolescentes. Além disso, problematizou-se a abordagem da problemática do delito pelos meios de comunicação, enfocando-se especificamente o que é ou não noticiável em matéria de violência e justiça, bem como o reducionismo e a discriminação com os quais se costuma abordar estes temas.
A reflexão sobre estas temáticas foi feita a partir da relação com as experiências dos participantes do encontro, os quais eram provenientes de distintos estados tais como Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, etc. A síntese dos intercâmbios em subgrupos apresentados em plenária, reforçaram o compromisso dos participantes em continuar aprofundando a problematização dos temas e os impactos das respostas estatais nos direitos das crianças e adolescentes, assim como unir esforços para gerar estratégias conjuntas que permitam desenvolver políticas de segurança e outras ações que tenham como ponto partida e como fim a garantia da vida e da dignidade de todas as crianças e adolescentes da nossa região.
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